12º Encontro Internacional de Música e Mídia: Setembro de 2016

Viver sua música… De quantas maneiras é possível? Talvez uma das experiências mais antigas seja a do acalanto, seguida das cantigas rimadas, das danças de roda. Na primeira infância, pela transmissão oral… Depois surgiria a prática instrumental, a escuta mais ou menos atenta, de acordo com o repertório e seus rituais de fruição.
Assim deve ter sido a vivência musical, até pouco mais de há cem anos. Mais propriamente falando, até o final do século XIX, com o advento da esquizofonia tecnológica. Transformações drásticas foram surgindo no modo de vida das pessoas, em poucos anos – fato inédito ao longo de mais de dois milênios. Com a invenção de recursos de captação, transmissão, amplificação, armazenamento das informações acústicas surgiram os aparelhos de gravação e, logo em seguida, de transmissão, possibilitando a criação e desenvolvimento daquilo que se convencionou denominar indústria cultural. Este novo panorama, atingiu vários setores da sociedade, abrindo novos horizontes em várias instâncias no âmbito econômico, cultural, artístico. Objetivamente, estreitaram-se as relações entre os campos de estudo da sonologia e a performance musical.
A mediatização técnica aos poucos promoveu, inicialmente, a escuta em local fixo – a sala residencial, a sala de concertos. Mais tarde, a escuta ambulante, com fones de ouvido de grife ou descartáveis, comprados de vendedores ambulantes a preços módicos. A era digital promoveu a interação do estímulo visual, em paralelo ao sonoro (e, em várias situações, o estímulo visual, antes coadjuvante, tornou-se a orientação da atitude da escuta…)
Viver a música implica, frequentemente, o uso de acessórios materiais que, na falta de outro nome, podemos chamar de instrumento musical. Dentre uma miríade de exemplos, podem ser lembrados o piano, o tambor, o iPod, o toca-disco e o smartphone, dispositivos usados para a produção ou reprodução musical em ambientes e culturas os mais variados. Muitos desses aparelhos lembram a proximidade do conceito tecnologia, palavra utilizada para falar de novas propostas de performance e escuta – isto é, de vivência – da música. Ainda que existam até hoje aperfeiçoamento em materiais ditos “tradicionais”, como vernizes para violinos ou ligas metálicas para instrumentos de sopro, o que tem ganhado muita atenção é o uso da eletrônica em geral e suas aplicações digitais em particular. Porém, afirma-se, todos esses meios técnicos podem servir ao fim último do viver a música.
No que diz respeito à performance, verifica-se que, inicialmente a fonografia elegeu a voz como fonte privilegiada das primeiras gravações. Tal fato concorreu, ao mesmo tempo, para a criação do hábito de escuta da performance sem a presença direta do corpo e, mais ainda, distante dos espaços canônicos de sua realização. Por outro lado, permitiu a veiculação de modelos estéticos vocais filtrados e padronizados segundo critérios não apenas estéticos e técnicos, mas também mercadológicos. Como consequência imediata, a outras formas de escuta que decorrem de tal experiência são contundentes: escuta-se a voz a partir de um corpo imaginado. Não obstante, a voz realiza a performance, fundamentalmente, por intermédio de seus aspectos peculiares de capacidade de transmissão de suas emoções.
Vive-se a música de acordo com os estágios da vida: o bebê percebe de maneira diferente da criança, do adolescente, do adulto e do idoso. E também vivem a música, de maneira singular, as pessoas que, por razões diversas, fogem ao padrão: cegos, surdos, deficientes intelectuais, físicos e também pessoas que sofrem alterações de ordem psíquica. Tais receptores ouvem com o corpo em formas e protocolos distintos, reconfigurados e redesenhados continuamente.
Viver a música também é estudar o papel da música na sociedade, sua relação com outras artes, sua relação com as instituições, seu papel na construção de conhecimento, nas formas de agir no mundo, seu papel na vida das pessoas, bem como as suas formas de apropriação: questões de gênero, seu uso político, até como arma guerra (etc.)
Enfim, vivemos nossa música de várias maneiras e em diferentes graus de proximidade: da escuta atenta a qual dirigimos nossa atenção de maneira intensa, à mais despretensiosa, conjuntamente ao desempenho de múltiplas tarefas… E, embora não pareçam, todas elas constituem operações de alta complexidade intelectual, que acabam resultando em hábitos corriqueiros.
Este 12º Encontro dedica especialmente sua edição à memória do compositor Gilberto Mendes, incentivador desta reunião científica desde sua primeira edição, em 2005. Por isso, tomamos o título de seu segundo livro de memórias como motivação para os debates que se desenrolarão ao longo de três dias. Mas também, aproveitamos esta edição para evocar outros nomes que viveram sua música de maneira muito especial: nomes que deixaram de ser pessoas, para se transformarem signos… Poderosos signos representantes de sua época, de sua estética e de sua maneira de propor a escuta e fruição da música: Pierre Boulez, Keith Emerson, David Bowie, Prince, Severino Filho, Nicolaus Harnoncourt, Naná Vasconcelos, George Martin… Assim como não-músicos profissionais que viveram a música de outra forma, como Rogério Duarte e o teórico Umberto Eco. A organização do 12º Encontro convida os interessados a participarem das discussões, como ouvintes ou propondo comunicações, dentro dos eixos temáticos, a seguir:
Eixos temáticos:
1 Viver a música, na diferença
Coordenação: Harete V. Moreno, Ricardo Santhiago, Wladimir Mattos.
A fruição musical está diretamente relacionada às diferentes formas de ouvir, pensar e expressar a música. O estudo destes comportamentos e suas motivações tende a tomar como base alguns padrões definidos como típicos do ser humano. Entretanto, muitas pessoas vivem as suas músicas em condições físicas, psíquicas e socioculturais que não correspondem a estes padrões. Há também importantes diferenças quanto à nossa experiência musical a cada estágio da vida: o bebê percebe de maneira diferente da criança, do adolescente, do adulto e do idoso. Vivemos a música em formas e protocolos distintos, continuamente reconfigurados e redesenhados. Este eixo pretende discutir estes “atravessamentos” que nos permitem compreender o que é viver a música, nas diferenças.
2 Ouvivendo a música: voz, corpo e emoção
Coordenação: Heloísa Valente e Juliana Coli
Recentemente, os avanços tecnológicos das linguagens da comunicação têm possibilitado a mensuração da voz humana cantada e falada, sob vários aspectos. Por se tratar do instrumento que reúne num só corpo instrumento e meio de execução e, tendo em conta que cada corporeidade vocal em registros fonográficos não pode ser apreendida objetivamente pela totalidade da performance (cf. Zumthor), conceitos oriundos da psicofonética (Fonágy), bem como da psicologia/personagem vocal (Bouchard), podem resultar em uma aproximação das nuances representadas pela complexidade do objeto em si: a voz. Ao mesmo tempo, a experiência da performance vocal dos “intérpretes incorpóreos”, podem expandir e acrescentar novas realidades estéticas, promovendo novas formas de sensibilidade e novas situações de escuta (novos contextos e lugares) ampliando, assim, os instrumentos de análise dos processos criativos, sem deixar de lado as performances convencionalmente estabelecidas.
3 Viver a música, no uso de instrumentos musicais
Coordenação: Theophilo Augusto Pinto e Sami Douek
Tendo como inspiração o pensamento de Antoine Hennion, propõe-se refletir sobre o instrumento musical não como um ente isolado, dado – ou seja, “morto”, estático – como se fosse apenas um elemento material a ajudar a compreensão de uma dada cultura. Também parece pouco pensar apenas sua evolução tecnológica sem que esta esteja ligada a outras dimensões do fazer música, seja na sua execução ou na sua escuta. Mais afirmativamente, este eixo temático pretende refletir sobre o instrumento musical como ator que, juntamente com partituras, pessoas, público (etc), negocia sua participação ativamente no uso dos recursos tecnológicos, na criação de gostos, estéticas, padrões de comportamento, narrativas e outros aspectos do viver musical.
Eixo 4 Os poderes da música e a música do poder
Coordenação: Fernando Iazzetta e Paulo Chagas
Pode-se afirmar que, em grande medida, devido à sua natureza autorreferente, a música acaba é objeto de abordagens contrastantes, senão contrárias: De um lado, pode cimentar ou subverter relações de poder, tal como apontam destacados sociólogos (T. Adorno; J. Attali). De outra parte, pessoas envolvidas no universo musical (músicos, compositores, em particular) tendem a relegar a importância da música como linguagem da cultura, na sociedade e dentro do próprio campo artístico. Sob a alegação de ser uma arte abstrata, questões para além do que se costuma encampar no seu domínio (gramáticas, formas, estilos, etc.) acabam despercebidas ou desprezadas. Assim, o papel da música na sociedade, sua relação com outras artes, sua relação com as instituições, seu papel na construção de conhecimento, nas formas de agir no mundo, seu papel na vida das pessoas, bem como as suas formas de apropriação (questões de gênero, seu uso político, até como arma guerra, dentre outros) tornam-se temas periféricos. Sendo notória a necessidade de estimular debates a respeito, este eixo pretende discutir e problematizar as maneiras segundo e pelas quais se vive a música.
Coordenação geral e curadoria:
Heloísa de A. Duarte Valente
Simone Luci Pereira
Comitê científico e de leitura:
Harete Vianna Moreno
Juliana Coli
Marta Fonterrada
Ricardo Santhiago
Sami Douek
Theophilo Augusto Pinto
Wladimir Mattos
Fernando Iazzetta (Conselho consultivo/ convidado)
Paulo Chagas (Conselho consultivo/ convidado)
Secretário e assessoria de comunicação
Raphael F. Lopes Farias
Paulo Henrique Lopes
Editor
Ricardo Santhiago
Webdesigner
Luiz Fukushiro
Convidados internacionais:
Philippe Le Guern (Universidade de Nantes/ Musimorphoses),
Sophie Maisonneuve (Universidade Paris Descartes- IUT; Musimorphoses) e
Rubén López-Cano (Escola Superior de Música da Catalunha)
Local: cidade de São Paulo (local a ser divulgado em breve)
Data: 14 e 16 de setembro.
Modalidades de participação:
Comunicações orais
Sessões de pôsteres
Sessões audiovisuais.
Datas importantes:
Chamada para trabalhos: 5 de maio a 10 de junho
Envio das propostas de trabalho: 15 a 31 de maio
Resultado da seleção: 20 de junho
Envio dos trabalhos completos: 8 de agosto