Apresentação

O 9º Encontro Internacional de Música e Mídia é uma iniciativa do Centro de Estudos em Música e Mídia – MusiMid. O Grupo de Pesquisa – registrado no Sistema Grupos, do CNPq e vinculado ao Programa de Pós-graduação em Música do Depto. de Música da ECA/ USP– é formado por profissionais do meio acadêmico e artístico de formação multidisciplinar, além de estudantes de graduação e pós-graduação. Provenientes das universidades mais conceituadas do país e do exterior, esses pesquisadores têm como centro de interesse comum o estudo das múltiplas relações entre música e suas formas de comunicação e recepção.

Visando ampliar os debates e estendê-los à comunidade interessada no tema, o grupo vem realizando anualmente os Encontros de Música e Mídia: As múltiplas vozes da cidade (2005); Verbalidades, musicalidades: temas, tramas e trânsitos (2006), As imagens da música (2007), O Brasil dos Gilbertos: Gilberto Freyre, João Gilberto, Gilberto Gil e Gilberto Mendes (2008), E(st)éticas do som (2009), Música: De /Para (2010), Música, memória: tramas em trânsito, (2011), Tão longe… Tão perto… A música nômade  (2012) realizados no SESC-Santos e nos auditórios da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Em sua nona edição, o tema do encontro será O gosto da música dividido em quatro temas principais:

Neste ano de 2013, o evento tem, como coordenadores externos os professores doutores Eduardo Paiva (Unicamp) e Magda D. Pucci (Mawaca). O evento conta com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGMUS/ ECA-USP.) e do Programa de Mestrado em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes.

O local de realização será o auditório Lupe Cotrim, da ECA-USP, que oferecerá a infraestrutura logística e institucional. A programação está voltada ao público universitário e interessados em geral, oferecendo certificados, mediante inscrição e frequência nas atividades. Será entregue, aos inscritos, exemplar dos anais do congresso, contendo os trabalhos completos dos participantes que submeteram textos para apresentação. À medida do possível, as atividades principais contarão com transmissão pela IPTV.

Estrutura geral do evento

O 9º Encontro se desenrolará, tendo, dentre as suas atividades: Mesas redondas, com debatedores convidados; palestras; oficinas, apresentações artísticas e sessões temáticas de trabalhos escritos e audiovisuais, exposição de pôsteres (vide formas de participação e respectivo regulamento):

 

Mesas-redondas: As mesas-redondas terão, como objetivo principal, debater as questões acima e serão distribuídas de acordo com a natureza das linguagens: sonoras, audiovisuais e de cena (ao vivo). Os participantes apresentarão suas considerações tendo, como parâmetro, os eixos temáticos descritos.

 

Sessões temáticas: Compostas por trabalhos submetidos ao comitê científico e selecionados pelo comitê de leitura. Poderão constar de comunicações orais, audiovisuais e pôsteres.

 

Apresentações artísticas e musicais: Fazem parte das atividades complementares do evento.

Palestras, Mesas Redondas e Oficinas

PALESTRA DE ABERTURA

Sinestesia de Sons, Cores e Odores: Diagrama, Mapeamento ou Isomorfia?

Rodolfo Coelho de Souza

A crítica de Umberto Eco ao conceito de iconicidade, progressivamente reiterada e revisada em três textos seminais (A Estrutura Ausente, O Signo e Tratado Geral de Semiótica) nos encoraja a retomar o problema da relação entre sentidos perceptivos, tal como colocado pela noção de sinestesia, em busca de um novo aprofundamento do problema. A questão, em última instância, está ligada ao caráter fugidio do conceito de similaridade. Buscaremos demarcar as diferenças entre os modos relacionais distintos com que o princípio da semelhança opera nos diagramas, nos mapeamentos e nas estruturas isomórficas, para encontrar conexões entre esses modelos e as percepções sinestésicas. Tomarei como casos de estudo a análise de duas narrativas musicais: de uma composição que abandonei – uma ópera para o romance O Perfume de Patrick Süskind que pela proposta do libreto de Lauro Machado Coelho, escrito em 1992, deveria construir uma relação sinestésica entre música e odores – e da trilha sonora realizada para o filme de Tom Tykwer de 2006, cujo enredo é baseado naquele mesmo romance.

 

Rodolfo Coelho de Souza é professor livre-docente do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia Ciência de Letras da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. Graduou-se em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1976), fez Mestrado em Musicologia na ECA-USP (1994) e Doutorado em Composição Musical na University of Texas at Austin (2000). É coordenador do LATEAM – Laboratório de Teoria e Análise Musical do DM-FFCLRP-USP. Entre suas composições musicais destacam-se: O Livro dos Sons (2010) para orquestra e sons eletrônicos, Concerto para Computador e Orquestra (2000) e Tristes Trópicos (1991).

 

MESAS REDONDAS

MESA REDONDA 1: Saboreando experiências: música e ritual

Coordenação: Magda Pucci

 Música e culinária estão presentes nos rituais brasileiros com frequência. O momento dessa união entre o comer e o cantar é quase sempre coletivo, seja ele de caráter profano ou religioso. Veremos como ele se dá nas manifestações afro-brasileiras como o Maracatu, o Jongo, ou o Carimbó, assim como nas Festas do Divino, ou mesmo na festa da Chiropita, de tradição italiana e totalmente incorporada à vida brasileira, até os rituais indígenas onde a chicha é o eixo de união e fortalecimento dos povos da Amazônia.

 

Receitas indígenas: perigo, sabor e canto

Betty Mindlin

Passando de um povo indígena a outro, vamos ouvir, pensar ou falar sobre a música e cantos unindo núcleos de uma comunidade, meio de circulação e afeto, caminho e canal para amores e posse de mulheres, fartura, alimentos, deuses. E, sobretudo passaremos por um canto perigoso e canibalesco, no qual a guerra dos pinguelos (emblemas tanto de homens como de mulheres) leva a uma estranha iguaria…

 

Música e Culinária Tradicionais  – Vivencie o Ritmo e Aprecie as Delícias

Ari Colares

 Relato as oficinas-almoços que organizo, focalizando diferentes ritmos ou gêneros musicais brasileiros relacionando-os a um prato da culinária da sua região, como o  ijexá com o ipeté, o jongo como o tutu, o bumba meu boi do maranhão com o arroz de cuxá, o samba- de roda com o caruru, o coco com o baião de dois e o carimbó com o vatapá paraense. Durante os encontros, o percussionista ensino os toques dos instrumentos de percussão e as melodias características e passos das danças e ao final, é servido o almoço, uma imersão de um dia em que música e comida são integrados de forma plena.

 

Festa do Divino em Mogi das Cruzes: o percurso da Fé e a conquista do alimento santificado.

Luci Bonini
Eliana Meneses de Melo

Com olhar voltado às manifestações culturais populares, o estudo avalia o percurso  do sagrado em território urbano onde a tradição recorta caminhos possíveis entre as novas edificações, alterando o cotidiano da cidade, as antigas canções constroem diálogos com o presente em cerimoniais de Fé no Divino Espírito Santo. Contemplando as representações simbólicas, analisam-se as etapas que formam o percurso semiótico que tem início com a evocação da Santidade, a personificação da Fé no sujeito participante e a trajetória ritualística, que comina na saciedade do corpo pelo alimento. A novena ao Divino Espírito Santo caminha pelas ruas desde as cinco da manhã até às seis, quando então, os devotos se alinham em fila diante do salão paroquial para o café, alimentando o corpo depois de ter alimentado a alma rezando e cantando a Coroa do Divino. Revestido pelo sagrado, o sentido do gosto expressa a fechamento da manifestação e situa o sujeito participando no nível de servidor da fé, que, após o justo trabalho, é merecedor do sagrado alimento. O que se observou foi que embora os componentes da festividade façam parte da tradição do evento, o alimento servido dialoga diretamente com o contemporâneo. Neste sentido o gosto adicional está contido na crença no sagrado e nos ritos. Por fim, o estudo de natureza interdisciplinar foi realizado privilegiando a Semiótica. É o resultado desta leitura que se pretende apresentar.

 

Comer, cantar e rezar: a música e a comida como desencadeadores de rituais comunicativos em festa italiana paulista.

Cristina Schmidt

 Rituais comunicativos, entendidos como redes na dimensão primária para a comunicação interpessoal e a composição de grupos ativos de audiência, conferem aos indivíduos um poder de participação em redes sociais que vão do afetivo ao empresarial, do pessoal ao comunitário e ao planetário através de recursos interativos próprios a cada cultura. As Redes se instituem por meio de mecanismos consolidados em interesses de aspectos diversos como o econômico, o religioso, o afetivo, o artístico e envolvem seus agentes, os promotores e participantes diretos e indiretos. A pesquisa está fundamentada na folkcomunicação e nos estudos culturais, e a partir de observação participante da festa de Nossa Senhora de Aquiropita – SP, identifica aspectos como as canções italianas como expressão imigrante e comercialização cultural; a festa como um repertório estrutural de um patrimônio cultural; as redes comunicativas com referência urbana e contemporânea. Constata-se que a festa italiana está articulada com a economia mundial e sintonizada com as tecnologias. Essa festividade é um conjunto de produtos culturais que fazem parte da vitrine turística do Estado de São Paulo. Como patrimônio imaterial, intensificado pelas redes sociais, consolida-se como movimento gerador de políticas culturais.

 

 

 

MESA REDONDA 2: Comendo com os olhos e os ouvidos

Coordenação: Eduardo Paiva

 Produtividade discursiva na publicidade e a cultura contemporânea

 

Rosália Maria Netto Prados

Este trabalho trata de análise do discurso com base na Semiótica discursiva para o estudo da produção de sentido em textos publicitários. Propõe-se o estudo dos processos intersemióticos em textos publicitários, dos discursos subjacentes aos textos, das linguagens verbais, não verbais e sincréticas. O sujeito interage, por meio de linguagens verbais e não-verbais, nas diferentes comunidades socioculturais. Em suas práticas sociais, na constituição de sua subjetividade, o sujeito é atravessado por discursos, que são processos de produção de sentidos. Os discursos são manifestados por meio de tais linguagens nas diferentes situações de comunicação e, nessa interação, o sujeito constrói sua identidade numa determinada cultura. Esta pesquisa é descritiva e fundamenta-se em estudos contemporâneos de comunicação e análise do discurso. A metodologia deste trabalho fundamenta-se na análise semiótica discursiva, ou seja, na análise das estruturas que geram o sentido dos discursos. Assim, apresenta-se uma análise das relações de linguagem e a produtividade discursiva presentes na mídia e cultura contemporâneas. Propõe-se uma análise das relações de interdiscursividade e processos intersemióticos na publicidade. Tem por objetivo analisar os discursos manifestados em enunciados publicitários veiculados na mídia. Por meio dessa perspectiva de análise do discurso, é possível a reconstrução do processo discursivo e a descrição de valores socioculturais que caracterizam aspectos da comunicação.

 

Indústria da cultura e indústria de alimentos: causa ou consequência da homogeneização e degeneração dos gostos na sociedade de massas?

Juliano de Oliveirae Ronaldo Novaes

É bastante conhecida a crítica dos frankfurtianos, notadamente Theodore Adorno e Max Horkheimer, de que a música vinculada à Indústria da Cultura (vide o capítulo O iluminismo como mistificação das massas em Dialética do Esclarecimento (1947)), com suas estruturas formais altamente previsíveis e repetitivas, além da ênfase em harmonias consonantes e padrões familiares, teria sido responsável por certa infantilização da audição e poderia haver contribuído, outrossim, para a “regressão da escuta”. Também é bastante comum nos tempos atuais a crítica, por parte de nutricionistas e profissionais da área da alimentação, à indústria dos alimentos por haver ocasionado uma homogeneização dos gostos e contribuído para a criação de paladares infantilizados, que, neste caso, se caracterizaria pela predileção por sabores adocicados e pela aversão a verduras, frutas, alimentos desconhecidos e temperos fortes. Nesse artigo buscar-se-á, portanto, estabelecer possíveis relações entre as críticas auferidas as indústrias da música midiática e a de alimentos tendo por base as seguintes questões: haveria, de fato, a cultura de massas (ou para as massas) ocasionado uma homogeneização e infantilização de todos os gostos? Até que ponto é possível relacionar uma experiência estética com uma experiência alimentar? Não seria, em certa medida, a apreciação gustativa também uma experiência estética em algum sentido? Até que ponto podemos conceituar como “infantilizada” uma cultura pautada nos gostos de uma sociedade de massa construída sob a égide do consumo?

 

Um gosto de cada lado da tela

José Guilherme Allen de Lima

Trabalhar com som e música para publicidade tem gosto de esgotamento. Esgotar a paciência, a saúde, as opções, os sons possíveis e até o gosto por eles. Esgotar as opções de delivery, do cardápio da padaria da esquina, do cardápio da padaria da outra esquina algumas ruas abaixo e sentir saudade do gosto do cereal que mora na sua cozinha. É tentar dar gosto à nova encarnação do suco em pó, e dar refrescância a uma bebida que você nunca bebeu. Finalmente, é o gosto do pão na chapa com uma média voltando pra casa depois de uma noite em claro, pensando seriamente em mudar de emprego. Nesta apresentação, o participante fala de suas experiências como técnico de som e produtor de áudio e música para publicidade e cinema, e das relações deste tipo de trabalho com os gostos dos comeres e beberes em ambos os lados da tela.

 

 

 

MESA REDONDA 3

Coordenação: Mônica Rebecca F. Nunes

 

Da cultura do ouvir à ecologia da comunicação.

José Eugenio Menezes

Proposta de indagações a respeito da cultura do ouvir. As raízes da cultura do ouvir em Joachin-Ernst Berendt, Dietmar Kamper, Christoph Wulf e Norval Baitello. Os vínculos sonoros no contexto do leque de senrorialidade dos corpos antes e depois dos equipamentos eletrônicos. A cultura do ouvir como postura epistêmica para compreensão de uma ecologia da comunicação.

 

Música, bebida e ritual: excessos e êxtases na sociedade contemporânea

Malena Segura Contrera

A busca do êxtase e dos estados alterados de consciência está presente em praticamente todas as culturas, arcaicas e contemporâneas, de modo que podemos considerar essa busca como inerente ao espírito humano. O que sempre diferiu foram as formas pelas quais as sociedades buscavam esses estados alterados de consciência, e sabemos que nos rituais ligados a essas práticas tanto a música como a ingestão de bebidas alucinógenas ou psicotrópicas ocupavam um papel central. O ponto sobre o qual nos cabe refletir no presente momento é como nossa sociedade trata contemporaneamente essas questões, ou seja, o que ocupou o lugar dos rituais perdidos, e como os elementos presentes no ritual – música, bebidas – são hoje consumidos. Cumpre-nos avaliar, por fim, os impactos gerados pela des-ritualização da sociedade contemporânea, pelas práticas patológicas de consumo e pelos imperativos do excesso que geram à economia psíquica uma crise de sentido e dimensões não previstas.

 

Paisagens Sonoras, Espaço Áudio-Tátil e  Gosto na Cena Cosplay

Mônica Rebecca F. Nunes e Vera Lúcia Pasqualim

Este trabalho integra o projeto de pesquisa Comunicação, Consumo e Memória: Cosplay e Culturas Juvenis (CNPq) em desenvolvimento junto ao PPGCOM- ESPM. Analisa a cena cosplay em eventos da cidade de São Paulo nas dimensões do espaço aúdio-tátil proposto por McLuhan e das paisagens sonoras, propostas por Murrey Schafer. A pele convoca os sentidos a se misturarem, como avalia Michel Serres, e, na cena, sons de rádios webs, de bandas de anime songs, de espadas medievais, de vocaloides, de trilhas de animês e de HQs misturam-se à pele de jovens por sua vez imiscuídas às materialidades que reinventam narrativas mediáticas midiatizadas também pelo gosto de alimentos glolocais: sucos mupy, yakisobas, coca-colas e cachorros

 

 

 

MESA REDONDA 4 – Bebida e comida: uma questão de gosto…

Coordenação: Marcel de Oliveira Souza

  

As Mídias Electroacústicas, o Cru e o Cozido

Paulo Chagas

No início do século XXI, a música contemporânea encontra-se distante do ouvinte. A apreciação da música contemporânea “erudita”, sobretudo a de caráter experimental, atingiu um grau de relevância marginal na sociedade, contrastando com a influência e o poder de penetração da música “popular”. A maioria dos compositores da chamada música “séria” acostumou-se a ver as suas obras executadas diante de platéias mínimas ou reduzidas; a música contemporânea vive praticamente na obscuridade da mídia, em oposição à música de “entretenimento” que é executada em eventos de massa globais e amplamente divulgada pelos canais mediáticos. O artigo propõe uma releitura da introdução de O Cru e o Cozido (Lévi-Strauss 1964), onde Lévi-Strauss formula uma crítica às estéticas da música européia em meados do século XX: tanto a música atonal e serial (instrumental e vocal) quanto a música concreta (eletroacústica). Lévi-Strauss levanta a hipótese de que o pensamento musical associado ao atonalismo e serialismo carece de um fundamental natural que justifique objetivamente o sistema de relações entre os sons, o qual, em última análise, assegura a compreensibilidade da música. No caso da música concreta, a rejeição é ainda mais radical: Lévi-Strauss reconhece que a música concreta estabelece uma relação direta com o fenômeno sonoro natural, pelo fato de operar com os ruídos, mas que, ao invés de explorar o valor representativo do ruído, optou por “desnaturar” os ruídos e torná-los irreconhecíveis para os ouvintes. A partir dessa discussão, o artigo traz algumas reflexões sobre a questão da inacessibilidade do ponto de vista das mídias electroacústicas. Landy (2007) critica o fato de que a investigação musical tem valorizado o problema da criação, o ponto de vista do compositor e negligenciado a experiência da escuta, o ponto de vista do ouvinte. Landy identificou algumas propriedades que ajudariam a tornar mais compreensíveis o que ele chama de “sound-based composition”, ou seja composição baseada no som. Trata-se de um amplo domínio de criação sonora que inclui, por exemplo, estéticas derivadas da música concreta, como a acusmática, soundscape, ecologia acústica, música eletrônica ao vivo, música mista (acústica e eletroacústica), obras audiovisuais, arte sonora, instalações sonoras, obras radiofônicas, música para internet, etc. que facilitariam a escuta musical e tornariam mais acessíveis a recepção e apreciação da obra.

 

Da suficiência integral à administração da pureza: investigando a relação entre o refino de sons e de alimentos no século XIX

Paulo Castagna

Esta comunicação aborda o impacto da era industrial na concepção sonora do século XIX, investigando o processo de refino da sonoridade dos instrumentos musicais, ou seja, da busca de um resultado sonoro que se afastasse cada vez mais da estridência (diversidade de harmônicos) e se aproximasse da pureza (predominância do harmônico fundamental), pela eliminação dos harmônicos indesejados. Tal processo foi paralelo ao refino de alguns alimentos, como arroz, trigo, sal, açúcar e outros, não somente pela retirada dos seus componentes indesejados (as fibras dos grãos e as “impurezas” do sal e do açúcar), como também pela busca de uma pureza fundamental em todos eles. Por outro lado, a obtenção dessa pureza acarretou a perda da suficiência de vários instrumentos na prática musical e a necessidade de administração de suas misturas, tanto nos pequenos conjuntos quanto nos grandes, como as orquestras, fenômeno semelhante ao que ocorreu na perda da suficiência de vários alimentos e na consequente necessidade de ingestão de substâncias (industrialmente purificadas) que já estavam nos componentes indesejados desses mesmos alimentos, como minerais, fibras e vitaminas. A busca da pureza foi, na verdade, uma grande tendência da era industrial e afetou não somente sons e alimentos, mas vários outros aspectos da vida do século XIX e boa parte do século XX. Sua compreensão é importante para lidar com esse fenômeno e propor soluções para os problemas dele decorrentes.

 

Celebrações e deleites de um outro tempo: O bem viver ao gosto dos harpistas do Egito antigo

Cássio de A. Duarte

 Incontestável ícone da mídia que foi impulsionado pelas grandes descobertas arqueológicas dos dois últimos séculos, o Egito antigo se sedimentou no imaginário popular como sendo uma terra exótica e mística; uma cultura icônica por seus monumentos de proporções divinas, por sua escrita misteriosa cercada por imagens animais e humanas singulares, e por suas práticas funerárias tão estranhas quanto fascinantes. Sob um olhar minucioso, entretanto, algumas destas visões se revelam como uma verdadeira miragem provocada pelos veículos de informação, os quais utilizam múmias, pirâmides e tumbas como elementos sedutores à mente Ocidental, mas de maneira completamente empobrecida de significado. Mas as mesmas sepulturas e outras fontes milenares persistem em eternizar na rocha o clamor da riqueza humana ao transmitir uma realidade diversa: os egípcios antigos não ansiavam ou sequer eram obcecados pela ideia da morte; ao contrário, foram verdadeiros cultuadores da vida e das delícias do bem-viver, querendo que estas perdurassem para sempre no cenário da terra à qual estavam tão enraizados. Objetivamos com este trabalho o vislumbre de algumas fontes que enfocam o prazer da vida no Egito antigo e sua celebração por meio dos produtos da terra  e das artes.

 

Tutti frutti: livre associação plástico-sonora

Cristina Carletti

Cores, formas e vibrações em sintonia compõem um breve painel audiovisual de afinidades gustativas

 

Retrato de Cora: do natural ao artístico

Silvia Cabrera Berg

 Retrato de Cora  para piano solo é a II da Série Memórias de um Mundo Antigo (Silvia Berg 2004), encomendada pela pianista Valéria Zanini em 2004, e que teve sua primeira audição em Copenhagen no mesmo ano. A obra, composta a partir de um retrato de Cora Coralina (que se definia primeiramente quituteira e cozinheira e depois poetiza) , remete à uma correlação estendida do cru e o cozido lévi-straussiano na medida em que são analisados os processos composicionais do natural (material composicional) ao artístico (a superação do material e suas sistematizações).  Na análise dos processos composicionais de Retrato de Cora são tomados como referência. “O Princípio Cinematográfico”, de 1929, do diretor russo Serguei Eisenstein, que evidencia a correlação entre o principio de montagem ideográfica e o principio de montagem cinematográfica principalmente no tocante à decomposição “natural” em desproporcionalidades para efeitos de expressividade, tal como a fragmentação cronológica dos acontecimentos no eixo do tempo ou do espaço em planos ou retardamento de ações e movimentos, resultante da oposição de dois elementos.

 

Sobre cores, sons e sabores.

Luciano Guimarães

 Um breve ensaio que retrata como três códigos, três linguagens, ou três matrizes que envolvem três sentidos se encontram nas telas do cinema. Um estudo para explorar os sentidos e pensar nas formas de produzir imersão na narrativa ou a consciência da materialidade dos códigos da comunicação.

 

 

 

MESA REDONDA 5: Fundadores do Musimid: Novos gostos de saberes…

Coordenação: Ricardo Santhiago

 

Os 10 anos do Musimid na pesquisa musical: depoimento de Teresinha Prada.

Teresinha Prada

(Documento audiovisual)

 

A importância do Musimid em minha vida

Déa E. Berttran

A relevância de se associar a graduação com a pesquisa é ímpar, por propiciar o terreno da experimentação para o aluno, geralmente, imerso em teorias. Conhecer as regras metodológicas do mundo científico, seu raciocínio lógico, sua escritura, participar de reuniões com a presença de professores competentes e amantes de seu ofício, colocar em exercício a curiosidade que move o mundo, eis algumas dessas possibilidades.

Participar do MusiMid em minha formação foi ainda mais importante, pois, aluna madura que sou, pude entrar em contato com a minha primeira profissão, em que divulgava, produzia e dirigia shows de música popular brasileira, de Elizeth Cardoso a Gonzaguinha, de Vania Bastos a Beth Carvalho, de Raphael Rabello a Emílio Santiago. Dessa forma, pude aliar o conhecimento científico sobre linguagem musical, signos e significados com a vivência de ter estado ali, na presença da música feita nos palcos dos Brazis, ao vivo e à flor da pele. Agradeço muito a oportunidade de ali ter estado, e de hoje ainda permanecer ligada a este grupo tão admirável!

 

Capas de disco como espaço de experimentação da MPB: o caso da Continental nos anos 1970

Herom Vargas

 Análise de capas de quatro artistas da MPB da gravadora Continental dos anos 1970: Walter Franco, Tom Zé, Novos Baianos e Secos & Molhados. Esses artistas se caracterizavam pelo trabalho experimental na canção. Porém, paralelamente, havia também um trabalho experimental na produção gráfica das capas de seus discos, em consonância com suas composições e com a característica cobntracultural da arte no período. A arte de capa era ainda um ingrediente no consumo desses discos e balizavam parte da concorrência no mercado entre essa gravadora e a multinacional Philips, que detinha sob contrato artistas de maior sucesso no campo da MPB. Logo, a capa de disco é vista aqui em sua dupla função: embalagem de um produto e suporte de criação estética do design.

 

O exótico no Banquete de Mário de Andrade – discussão sobre a negritude e o projeto de recepção da música erudita nacional

Theophilo Augusto Pinto

Mário de Andrade, em 1943, imaginou um banquete onde um grupo de comensais discute questões ligadas à música de sua época. Um compositor erudito, uma cantora lírica, um estudante de direito, um político e a rica anfitriã são usados pelo autor para tipificar a recepção da música nacional pelo público estrangeiro que, segundo o autor, está interessado no “vatapá” musical brasileiro, isto é, no exótico.

 

OFICINA: A CONSTRUÇÃO DO GOSTO

 Sobre os formadores do gosto

Eduardo Paiva

 A presença do “gosto” no século XX quando se fala de música é praticamente instantânea. “Gosto não se discute”, “bom gosto”, “mau gosto” e outros termos que fazem qualquer discussão sobre estética perder o sentido são aplicados diuturnamente para se explicar movimentos, gêneros e estilos. Mas, acima deste uso controverso do termo “gosto”, reinam os “construtores do gosto”, identificados com os processos midiáticos que se consolidaram a partir do surgimento do disco gravado e da rádio, tão bem percebidos por Adorno em seus textos. Afinal, qual o compromisso destes construtores de gosto com a sociedade e com a contemporaneidade estética? Estão eles a serviço de um fast food sonora, algo para criar a ilusão da saciedade na qual se vive atualmente, como um hambúrguer de shopping center, feito para alimentar as massas? E qual o espaço que se reserva aos chefs, aqueles que procuram renovar o sabor dos alimentos?

Parece que os formadores de gosto empurram estes saborosos (a curto prazo) e indigestos (a médio e longo prazo) alimentos goela abaixo do público, para sempre lhe criar a ideia da fome, da não saciedade, da espera pelo próximo hambúrguer. E assim vamos em frente, onde estes “formadores de gosto” ocupam cada vez mais espaço, repetindo infinitamente a mesma receita com uma nova embalagem, em busca de diferenciar o mesmo do mesmo.

 

Segredos do Sabor: Qual sua composição, como descobri-la? Quem os provará?
Vontade… criando e alimentando.

Kerlley Pozzi Branco e Renata Constantini

Aroma é o “perfume”, a “fragrância”, o sabor do que ingerimos. O gosto das frutas, por exemplo, é dado principalmente pela presença de esteres em sua composição. Dependendo dos componentes, bem como de suas quantidades, um novo gosto pode ser criado.

O profissional que cria os aromas que consumimos em bebidas, doces, iogurtes, salgados etc, é chamado de aromista.

Para se descobrir a “fórmula” de um produto natural ou artificial é comumente usada a técnica analítica de Cromatografia Gasosa acoplada a Espectrometria de Massas (GCMS) para identificação e quantificação das moléculas.

Antes de um aroma ser criado faz-se diversas pesquisas de mercado com o consumidor final do produto, pois o tipo de aroma e como é apresentado, determinará a aceitação ou a rejeição de um lançamento, alavancando ou derrubando sua venda. O fato é que para fazer alguém querer provar algo novo dependerá de instigá-lo a sentir vontade. É um jogo de sedução, no qual se oferece não só um sabor mas também imagem, status e inclusão social; sendo a Música escolhida para uma campanha comercial parte integrante do Gosto oferecido.

 

Influência dos Estilos Musicais na Percepção dos Consumidores de um Alimento Funcional e Dietético

David Wesley Silva

Recentíssimos estudos científicos começaram a investigar um outro lado dos efeitos da música na alimentação de consumidores, revelando que esses efeitos podem não apenas alterar (como já se conhecia) o comportamento do consumidor enquanto este se alimenta, mas também influenciar sua própria percepção sensorial em relação aos alimentos que consome. Historicamente, o consumo de alimentos tem sido milenarmente ligado à execução musical; por exemplo, a presença de um bolo em festividades permanece fortemente como uma tradição cultural sempre acompanhada de música. Assim, esta pesquisa teve como objetivo verificar a questão através do desenvolvimento de um minibolo com ingredientes funcionais e dietéticos, e ainda investigando se a percepção desse alimento consumido foi influenciada pela audição de 4 estilos musicais diferentes: clássico, romântico, rock e chorinho. Assim, a partir da receita original, foram desenvolvidas 6 formulações diferentes, com substituição de alguns dos ingredientes tradicionais como farinha de trigo, leite e ovos, por outros alternativos como polpa de banana verde, linhaça e amêndoas; sacarose por edulcorantes, etc. na composição final de um minibolo de milho destinado especialmente à parcela populacional diabética, celíaca ou vegetariana. Testes de aceitação foram realizados 5 vezes com os mesmos 120 consumidores experimentando amostras das 6 formulações, na avaliação dos atributos aparência, aroma, sabor, textura, e impressão global; como controle, o primeiro teste foi realizado sem música, seguido por 4 testes em semanas posteriores, cada um com outro estilo musical. Os dados obtidos foram submetidos a Análise de Variância (ANOVA), Teste de média de Tukey, e Mapa de Preferência Interno. Os resultados apontaram que as médias mais altas estavam associadas às 2 amostras que continham sacarose na formulação, sendo o mesmo efeito verificado tanto na amostra com ingredientes tradicionais quanto na que continha os alternativos. Outras 3 amostras com notas intermediárias partilhavam do edulcorante sucralose. A amostra menos preferida continha estévia. Resutados da ANOVA demonstraram que a audição musical realmente alterou 9% da quantidade de médias dos provadores, porém as notas da amostra mais tradicional (controle – contendo farinha de trigo e sacarose) permaneceram invariáveis sob efeito da música, enquanto outras amostras variaram na qualidade até 14.4% (p < 0,05) comparadas às do controle – assim que a música romântica foi o único estilo a prevenir que o minibolo com estévia fosse rejeitado. As médias intermediárias das receitas não tradicionais foram as mais influenciadas em vários atributos. O Mapa de Preferência Interno feito para os testes sequenciados mostraram que os estilos musicais rock e chorinho alteraram os padrões comuns de distribuição das amostras no mapa ao longo dos testes, provavelmente em  razão de uma rítmica mais enfatizada nestes estilos. Na quantificação das notas médias máximas dadas em todos os testes com música para avaliação do atributo “impressão global”, verificou-se que 43% delas estavam associadas à música clássica, outros 43% à música romântica e 14% à música chorinho. Em oposição, 50% das notas médias mínimas foram encontradas no teste com audição de música rock, 33% no teste com chorinho e 17% com música clássica. Futuros estudos são necessários para investigar como, quais e quantos elementos fisiológicos, psicológicos, culturais, etc. são participantes na composição do efeito que a música pode exercer sob o paladar. Pôde-se concluir que  em associação à sacarose, a polpa de banana verde foi um bom substituto da farinha de trigo para o bolo criado, sendo uma ótima opção de ingrediente com textura para produtos doces em panificação voltada à população celíaca.        Finalmente foi observado que estilos musicais diferentes podem modular as respostas dos consumidores quanto à percepção sensorial do alimento que consome, especialmente quando há espaço para dúvidas, como em experimentação   e avaliação de novos produtos. Outros detalhes desta pesquisa podem ser vistos na matéria nº 11 “Os Ritmos do  Paladar” publicada pelo Jornal da UNICAMP, na edição nº567 de 01 de julho de 2013, disponível na internet

 

Troca de sabores e sabores: Memória dos Paladares

Ana Maria Dietrich
João Vitor Melo, Ana Caroline Lee (colaboradores discentes)

 A atividade colocará em prática o projeto (PROEX/UFABC/ 2013): um espaço de trocas de saberes e sabores entre a comunidade e a universidade por meio de oficinas culturais, exposições fotográficas, performances artísticas e rodas de memória sobre cultura alimentar. Busca promover diálogos entre os saberes acadêmicos e populares estimulando formas de consumo sustentável ligadas a temas como agroecologia, hortas urbanas, agricultura familiar, reaproveitamento de alimentos, economia solidária, reciclagem do lixo e veganismo. Além disso, produz e faz guarda de documentos áudios-visuais, fotográficos e textuais referentes a ações de pesquisa e extensão na comunidade e universidade relacionadas ao escopo do projeto. Dentre as atividades, destacam-se “Fome de Você” e o “Túnel das sensações”.

 

SESSÃO ESPECIAL

MusiMid: Trabalhos realizados e em andamento

Moderadora: Prfª Drª Heloísa de A. D. Valente

Apresentação de projetos concluídos e em andamento

 

Projetos de pesquisa: Enquanto os pesquisadores envolvidos encerram uma nova fase do projeto, com a publicação do livro “Trago o fado nos sentidos: cantares de um imaginário atlântico” (Letra e Voz; FAPESP), uma nova frente de pesquisa está em estudo, com a participação dos colegas da Universidade de Aveiro, liderados pela Profª Drª Susana Sardo.

O projeto “Una musica dolce suonava soltanto per me – memória e nomadismo na música ítalo-brasileira” chega a seu final, com a estreia do documentário “O sole mio! Música italiana na terra da garoa” e do livro (em fase de conclusão).

Subprojetos de pesquisa vêm sendo desenvolvidos por Marta de Oliveira Fonterrada e Otávio Luís Silva Santos, como dissertações de Mestrado.

 

Novos integrantes: O Centro de Estudos em Música e Mídia – MusiMid – conta, neste ano de 2013, com a participação do historiador Marcel de Oliveira Souza e Luiz Fernando de Prince Fukushiro.

Também passam a integrar o Conselho Consultivo as Professoras-doutoras Marita Fornaro (Universidade da República do Uruguai) e Rita de Cássia Lahoz Morelli (Unicamp). Ambas participam dos projetos de pesquisa, com textos publicados. Em junho último, passou a integrar o Conselho o Prof. Dr. José Luis Fernández (Universidade de Buenos Aires).

 

Outras atividades promovidas pelo MusiMid.

15 de maio de 2013: 5ª Jornada MusiMid: Cinco anos de exercícios de clariaudiência. Do encontro científico participaram ex-alunos do curso “Música e cultura das mídias”, que acabou por agregar vários participantes ao MusiMid.

27 de junho de 2013: “Rádio e redes digitais: linguagens e políticas públicas”. Encontro com José Luis Fernández. Promovido pelo MusiMid, pelo Grupo de Estudos Cultura do Ouvir e a colaboração do Mestrado em Políticas Públicas da UMC.

 

Publicações:

“Entre gritos e sussurros: os sortilégios da voz cantada” (Letra e Voz), livro organizado por Heloísa de A. D. Valente e Juliana Coli, como resultado dos debates da 3ª Jornada MusiMid, realizada em março de 2011.

“Trago o fado nos sentidos: cantares de um imaginário atlântico” (Letra e Voz; FAPESP). Participantes.

 

Atualização da página e anais dos Encontros:

Desde o mês de agosto, encontram-se à disposição dos interessados, os textos dos Encontros anteriores, inicialmente publicados em CDROM. O trabalho foi desenvolvido por Luiz Fernando Fukushiro, também responsável pela atualização da página.

Com essa iniciativa, os resultados das pesquisas passam a se estender a uma comunidade acadêmica mais ampla..

 

Dissertações vinculadas ao projeto de pesquisa

Modelos e hábitos de escuta radiofônica no cotidiano dos imigrantes italianos do interior de São Paulo

Otávio Luis Santos

 O presente trabalho aparece como um desmembramento de um estudo mais amplo contido em minha dissertação de mestrado, que tem como propósito refletir acerca das transformações das práticas de escuta musical em um momento em que as mídias portáteis dominam os ambientes urbanos e monopolizam a atenção dos ouvintes contemporâneos, gerando impactos musicais e sociais na sociedade presente. Assim, a discussão aqui gerada é complementar à discussão central da dissertação, a qual este conteúdo se apresenta como um estudo de caso. Aqui o objetivo é diferente, sendo este o de focar nos tipos de escuta, bem como em seus hábitos, no cotidiano dos imigrantes italianos do interior de São Paulo, compreendendo como tais processos de escuta interferiram e colaboraram em sua realidade musical e social. O conteúdo aqui apresentado está também atrelado a uma pesquisa de maior amplitude, cujo resultado, entre outros, é o livro Una musica dolce suonava soltanto per me – memória e nomadismo na música ítalo-brasileira.

No início do século XX, porém, mudanças decorrentes da tecnologia audiovisual, anda nascente, modificaram profundamente a experiência da escuta musical, a partir do surgimento do fonógrafo, que mais tarde culminaria no advento dos atuais aparelhos de produção e reprodução sonora portáteis, como os tablets, smartphones e Ipods. Nos primeiros anos do século, o papel do rádio foi fundamental na socialização dos imigrantes. Através do rádio os italianos recém-chegados da Europa mantinham vivo o elo entre sua cultura natal e a “nova cultura” regional brasileira: noticiários, músicas e qualquer outro tipo de informação ou entretenimento originados em além-mar. Mais ainda, o rádio não só saciava a saudade da terra natal, mas agia como formador de uma distinta e peculiar cultura local. Desde as canções escutadas durante o cortar dos tomates na cozinha até a difusão de cantores italianos em solo brasileiro, o rádio acompanhou de perto a miscigenação cultural entre os dois continentes. Até sua presença em bares transformava um simples estabelecimento comercial em ponto de encontro e convívio social, fosse o motivo uma transmissão esportiva ou a busca por notícias do país natal durante a Segunda Guerra Mundial.

Esta mídia, no entanto, não se limitou a ser apenas um veículo agregador de culturas, com a função de minimizar o choque cultural dos imigrantes. Após a instalação definitiva desses imigrantes, o rádio adquiriu uma nova função: a de difundir essa cultura (em grande parte musical) nas terras recém-habitadas. Citemos Adoniran Barbosa: filho de imigrantes italianos desembarcados no Brasil na entrada do século XX, o cantor passou de filho de imigrante italiano a uma das maiores referências do samba, gênero genuinamente brasileiro. Mas não somente Adoniran Barbosa cresceu com a influência das canções italianas do rádio, mas após o início de sua carreira, foi através do rádio que sua música se disseminou. A mesma ferramenta de formação se transmudou em ferramenta de disseminação cultural, e agora os rádios que antes reproduziam músicas legítimas italianas incluíam em seus repertórios músicas produzidas por descendentes italianos, sendo essas canções, como no caso de Adoniran, uma nova trilha sonora dos redutos de encontro paulistas.

Os modelos e os hábitos de escuta são extremamente maleáveis, e se moldam conforme inúmeros fatores que vão desde o desenvolvimento de novas mídias portáteis até novos comportamentos e modismos sociais de massa. As variantes da escuta refletem muito mais que um gosto musical, e a música que sai dos falantes de um rádio ou de um Ipod revela muito mais do que frequências sonoras aguardando por entrarem na rota de um ouvinte. Podem revelar formas de comportamento, idiossincrasias e costumes de uma sociedade que corre o risco de simultaneamente se encontrar tão imersa no universo sonoro e, ao mesmo tempo, tão surda para os significados desses sons.

 

A canção italiana nas mídias: memória, nomadismo, paisagem sonora na “terra da garoa”

 Marta de Oliveira Fonterrada

Este projeto apresenta resultados parciais da pesquisa realizada nos últimos 12 meses. O projeto, desenvolvido junto ao programa de pós-graduação em Políticas Públicas pela Universidade de Mogi das Cruzes, UMC, tem como objeto a canção italiana em discos e irradiada em programas radiofônicos e televisivos, na cidade de São Paulo.

Parto do  período entre 1958 –  marco importante com a música Nel Blu, nel pinto di blu (Volare) como vencedora do Festival de San Remo daquele ano, na voz do cantor Domenico Modugno – e estendo minha pesquisa até meados da década de 1970.

Depois de reunir entrevistas de artistas, memorialistas e pesquisadores[1], que indicaram as gravações lembradas por eles da época, considerados como objetos de escuta e fruição musical, selecionei alguns Longplays da época em Sebos e discotecas públicas para posterior análise.

Além de analisar o repertório lembrado pelos entrevistados, procedo a análise do projeto artístico  e gráfico das capas, uma vez que foram concebidas como valores indicativos dos ideais de consumo da época. Partirei do conceito de canção das mídias (VALENTE, 2003), sua performance e nomadismo  como elementos ativos e de forte presença na cultura. Tais conceitos foram propostos por Paul Zumthor (1997) e têm um contorno muito preciso.

As capas dos LPs funcionam, ainda, como elemento subsidiário da pesquisa em outra direção, uma vez que eram utilizadas pela indústria fonográfica como chamariz para a venda dos longplays. Uma vez que a construção da imagem pictórica atende a uma demanda de ordem simbólica, evocando um ideal comum do inconsciente coletivo. Para este estudo, sirvo-me do ensaio escrito por Christian Marcadet (2007), para quem a canção é um “fato social total”.

[1] Os entrevistados são músicos (instrumentistas, regentes, cantores), radialistas, pesquisadores universitários, além de pessoas idosas vinculadas à cultura italiana, por opção pessoal ou herança cultural familiar. Este grupo de depoentes foi selecionado para integrar o documentário do qual participo, como produtora, roteirista e entrevistadora. Uma contribuição especial deve ser creditada a Dick Danello, radialista e cantor, que me concedeu entrevista. Proprietário de um importante acervo pessoal – sobretudo sua vasta discoteca, colocou à minha disposição a consulta e escuta. Na presente etapa de trabalho, encontro-me na fase de levantamento de material para escuta e análise.

Dados Sobre o Evento

Local: Auditório Lupe Cotrim
Escola de Comunicações e Artes (Edifício Central)
Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, nº 443, Cidade Universitária
005508-900- São Paulo (SP).

  

Comissão organizadora
Heloísa de A. Duarte Valente (PPGMUS /ECA-USP; UMC)
Ricardo Santhiago (FFLCH-USP)
Cristina Schmidt (UMC)
Eduardo Paiva (Unicamp)
Fabiana Moura Coelho (PPGMUS/ECA-USP)
Harete Vianna Moreno (Unifesp)
Luiz Fernando Fukushiro (FEUSP)
Magda Dourado Pucci (Mawaca)
Sandro Figueiredo (FFLCH-USP)

 

Comitê Científico e de leitura
Cristina Schmidt (UMC)
Fabiana Moura Coelho (PPGMUS/ECA-USP)
Juliano de Oliveira (PPGMUS/ECA-USP; Unisantos)
Magda Dourado Pucci (Mawaca)
Marcos Júlio Sergl (UniSantos)
Mônica Rebecca Ferrari Nunes (ESPM/PPGCOM)
Sandro Figueiredo (FFLCH-USP)
Simone Luci Pereira (UNIP)
Teresinha Prada (UFMT)

 

Realização: Centro de Estudos em Música e Mídia –MusiMid/ ECA-USP

 

Apoio: Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de São Paulo.

Programa de Mestrado em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes.